Novo acordo de Bretton Woods? O dilema da cooperação monetária num mundo fragmentado

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A ideia de um novo arranjo monetário global, por vezes apelidado de “novo Bretton Woods”, mantém-se viva e ressurge periodicamente, especialmente em tempos de tensões comerciais e desalinhamentos cambiais. O Presidente Trump, na sua missão de reduzir o défice comercial americano, impôs tarifas a nível global, incluindo uma tarifa mínima global de 10%, 25% para automóveis, aço e alumínio, e mantendo 30% para a China . No entanto, a busca por um novo acordo monetário continua a ser discutida, com rumores de conversas em andamento, particularmente com países asiáticos, a julgar pelo movimento recente das suas taxas de câmbio.

Para entender como seria um novo arranjo monetário e as dificuldades em alcançá-lo hoje, o melhor paralelo histórico é o famoso Acordo Plaza de 1985.

O Contexto do Acordo Plaza (1985)

Naquela época, o dólar americano atingiu o seu pico máximo de força após o fim de Bretton Woods no início de 1985. As taxas de juro americanas, embora já mais baixas do que o pico do início da década de 80 (acima de 15%), ainda se situavam num patamar elevado, cerca de 10% em 1985 , o que contribuía para a força da moeda americana.

Simultaneamente, os Estados Unidos enfrentavam um défice crescente na conta corrente, que em 1985 já ultrapassava os 118,2 mil milhões de dólares e continuava a aumentar. Este défice comercial crescente era uma grande preocupação para os americanos.

A preocupação com a força do dólar e a fraqueza das demais moedas que não reflectiam o seu “valor justo” já era clara para os principais políticos e para o próprio governo americano no início de 1985. Durante a audiência de confirmação de Jim Baker como Secretário do Tesouro, este tema foi amplamente discutido. Baker reconheceu a preocupante situação do dólar “muito, muito forte” e a necessidade de reequilibrar o valor das taxas de câmbio para reequilibrar o comércio americano. Naquela altura, o maior défice comercial dos EUA era com o Japão.

Após a audiência, Jim Baker deu a entender que algo poderia ser feito, mencionando a possibilidade de conversas com as principais potências industriais para reequilibrar o comércio global. Ao longo de 1985, assistiu-se a um enfraquecimento do dólar americano, com intervenções cambiais por parte de alguns países, como a Alemanha.

O Acordo Plaza: A Solução de 1985

O Acordo Plaza, mais do que um único comunicado, foi um conjunto de medidas e declarações ao longo de 1985. O marco principal ocorreu em 22 de Setembro de 1985, numa reunião no Hotel Plaza em Nova Iorque. Estiveram presentes os ministros das finanças e os banqueiros centrais dos Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido e Japão.

O comunicado divulgado anunciava que corrigiriam os desequilíbrios do comércio global através da taxa de câmbio. Especificamente, os ministros e governadores concordaram que as taxas de câmbio deveriam desempenhar um papel no ajustamento dos desequilíbrios externos e que deveriam “reflectir melhor as condições económicas fundamentais”. Acreditavam que as acções políticas acordadas deveriam ser implementadas e reforçadas para melhorar os fundamentos, e que, tendo em vista as mudanças actuais e futuras nos fundamentos, era “desejável uma apreciação ordenada das principais moedas que não o dólar em relação ao dólar”. Declararam-se prontos para cooperar mais de perto para incentivar essa apreciação quando fosse útil.

Isto oficializou uma intervenção coordenada no câmbio por parte destes países para fortalecer as suas moedas (marco alemão, franco francês, libra esterlina, iene japonês) em relação ao dólar americano. O movimento de fraqueza do dólar prosseguiu nos meses e anos seguintes após o acordo. No dia do comunicado, 22 de Setembro, a queda do dólar (medido pelo dólar index) foi de cerca de 4% apenas nesse dia.

O Contraste Crucial: Proteccionismo

Um ponto que contrasta radicalmente a mentalidade económica da era do Acordo Plaza com o plano económico actual do Presidente Trump é a questão do proteccionismo.

No comunicado do Acordo Plaza, a palavra “proteccionismo” é mencionada várias vezes. No entanto, é mencionada no contexto da necessidade de “resistir ao proteccionismo”. Os governos da França, Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos expressaram explicitamente este princípio. A ideia central era que os desequilíbrios deveriam ser corrigidos pelo ajuste das taxas de câmbio, e não pelo proteccionismo (tarifas). O próprio Jim Baker, na sua audiência de confirmação, afirmou claramente que não desejavam tarifas, distinguindo-as de medidas anti-dumping ou contra práticas desleais.

Este viés é bem diferente do que é pregado hoje por figuras como Stephen Moore, Scott Bessent e o Presidente Trump.

Um Novo Acordo Plaza Hoje: Possível ou Impossível?

Coloca-se a questão: seria possível um novo acordo Plaza hoje? Que contornos teria e quais são os principais entraves?

Primeiro, é crucial relembrar os principais países superavitários com os quais os Estados Unidos incorriam um défice na década de 80. O principal era o Japão, responsável por quase metade do défice, seguido pela Alemanha e Canadá. A importância disto reside no facto de que, na década de 80, para chegar a um acordo como o Plaza, os Estados Unidos reuniram aliados (Reino Unido, França, Alemanha, Japão). Isto facilitou muito o consenso.

A foto actual é bem diferente. Ao longo da década de 90 e especialmente nos anos 2000, a China passou a dominar como o principal país com o qual os Estados Unidos incorrem num grande défice comercial. Em alguns momentos, a China representou quase 50% do défice, chegando a mais de 50% se somarmos o México (devido a empresas chinesas no México). O grande problema é que agora seria necessário colocar um “não aliado” na mesa de negociação, tornando a tarefa muito mais difícil.

Outra grande diferença é o endividamento público dos Estados Unidos. Em 1985, estava em 43,8% do PIB ; agora, está em 122% do PIB . Embora as taxas de juro em 1985 fossem mais altas (Tesouro de 10 anos a 10,6% em média no início do ano), hoje estão em cerca de 4,5%. Uma forma de fortalecer outras moedas seria vendendo activos americanos, como Treasuries. Contudo, uma venda significativa de Treasuries poderia fazer as taxas de juro americanas subir muito, o que é um problema grave dado o nível de dívida actual. Isto requereria outro arranjo para contornar a consequência negativa de fortalecer as moedas dos demais países.

Adicionalmente, os Estados Unidos são hoje um devedor externo líquido (posição de investimento internacional negativa em 18,3 biliões de dólares , cerca de 67% do PIB ), enquanto em 1985 eram um credor externo. Esta situação confere uma urgência maior agora para realizar um acordo.

O Principal Entrave: A China

Como é óbvio, o principal entrave para um acordo como este é a China. Não apenas por ser o maior parceiro de défice comercial e a segunda maior economia, mas por não ser um aliado dos Estados Unidos. A ideia dos EUA seria influenciar ou forçar a China a valorizar a sua taxa de câmbio.

No entanto, a economia chinesa está ultra endividada (estado, iniciativa privada, famílias, empresas) e em vias de registar deflação. No momento em que as dívidas são elevadas, uma moeda que se fortalece torna o peso dessas dívidas ainda maior. Isto é exactamente o que a China não precisa hoje.

A grande questão, que ainda não tem resposta, é como forçar a China a valorizar a sua moeda e, ao mesmo tempo, lidar com estas consequências negativas internamente.

Conclusão

Qualquer arranjo monetário em 2025 é muito mais difícil de colocar em prática do que foi em 1985. 40 anos depois, os desequilíbrios são muito maiores e os aliados são menores em quantidade. Como desatar este nó é algo que ninguém sabe, nem mesmo Scott Bessent ou o Presidente Trump. No fundo, o que se procura, segundo a análise, é o impossível: manter o dólar como moeda de reserva, assegurar a hegemonia da moeda americana, manter o “privilégio exorbitante”, e eliminar as consequências negativas deste arranjo. Seria ter o bónus sem o ónus. Conseguir isto na prática será muito difícil.

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