O primo pobre do sector petrolífero angolano

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Texto: Edeneth Márcia Maria, Advogada /Mestre em Direito Empresarial

No vasto cenário da indústria petrolífera angolana, os prestadores de serviços locais frequentemente assumem um papel de destaque, ainda que muitas vezes sejam considerados como o “primo pobre” do sector. Num país onde o petróleo é uma commodity essencial, representando a principal fonte de receita para a economia, a relevância desses prestadores de serviços torna-se evidente. No entanto, apesar da sua importância, enfrentam uma série de desafios que os colocam em desvantagem, evidenciando assim a sua condição secundária no panorama petrolífero nacional.

Em Angola, o petróleo é mais do que uma simples mercadoria; é a espinha dorsal da economia. A estrutura legislativa do país reflecte esta realidade, tendo sido elaborada e actualizado com o intuito de garantir a sustentabilidade e operacionalização eficaz do sector, visando assim maximizar a arrecadação de receitas. Contudo, é importante reconhecer que, apesar dos esforços legislativos, os prestadores de serviços locais muitas vezes são negligenciados nas políticas e regulamentações.

No contexto global, Angola ocupa uma posição significativa no sector petrolífero, mas é vital destacar a importância das políticas de conteúdo local para o crescimento e desenvolvimento sustentável deste sector. Países como a Nigéria e a Noruega têm apresentado soluções interessantes para promover a participação e o desenvolvimento dos prestadores de serviços locais.

A Nigéria, por exemplo, implementou políticas de conteúdo local que visam garantir uma maior participação das empresas nacionais no sector petrolífero. Isso inclui requisitos específicos para a contratação de prestadores de serviços locais, bem como incentivos fiscais e facilidades de financiamento para empresas nacionais.

Por outro lado, a Noruega adoptou uma abordagem diferente, concentrando-se na criação de um ambiente favorável para o desenvolvimento tecnológico e inovação. Isso resultou na formação de um cluster de empresas especializadas em serviços petrolíferos de alta tecnologia, capazes de competir globalmente.

Em contraste, em Angola, apesar das tentativas legislativas, as mudanças efectivas que poderiam melhorar a situação dos prestadores de serviços locais são escassas.

De facto, não se vislumbram alterações legislativas significativas que possam verdadeiramente alterar a condição dos prestadores de serviço locais, excepto talvez pela Lei de Conteúdo Local. No entanto, esta legislação, se não for acompanhada por alterações em outros segmentos, acaba por se tornar num diploma legal morto, ou seja, sem qualquer aplicabilidade prática. A Lei das Actividades Petrolíferas e a Lei sobre o Regime Cambial Aplicável ao Sector Petrolífero deixam claro o seu âmbito de aplicação, referindo-se apenas à Concessionária Nacional e às suas Associadas nacionais e estrangeiras. Isso significa que as prestadoras de serviços nacionais estão sujeitas ao regime geral, isto é, para efeitos da lei cambial, são consideradas residentes cambiais.

Essa condição poderia não ser problemática se não fosse pela obrigação imposta às prestadoras de serviços, enquanto residentes cambiais, de efectuarem cobranças em Kwanzas, bem como de não poderem recusar a aceitar a moeda nacional como pagamento por bens ou serviços comercializados no país, sob pena de incorrerem em crime por violação da lei da moeda nacional. Tais limitações, num ambiente onde a moeda está sujeita a uma desvalorização vertiginosa, onde não há matéria-prima local e onde todo o equipamento necessário deve ser adquirido a fornecedores estrangeiros em moeda estrangeira, tornam-se um obstáculo significativo para a sobrevivência destas prestadoras de serviços.

Num cenário em que as operações de invisíveis correntes levam mais de 60 dias para se efectivarem, como adquirir equipamentos junto de fornecedores estrangeiros e cumprir com as obrigações contratuais? Ademais, como o conteúdo local poderá funcionar nestas condições adversas?

A segunda situação que nos permite afirmar que os prestadores de serviço são muitas vezes relegados ao estatuto de “primo pobre” desta indústria está relacionado com a falta de benefícios fiscais na importação de equipamentos pelos prestadores de serviços. Ora, de acordo com o previsto no artigo 11.º da Lei 11/04, de 12 de Novembro, as operadoras gozam de isenção na importação temporária de equipamentos. Por outro lado, os prestadores de serviços locais não têm automaticamente acesso a esses benefícios fiscais e podem enfrentar encargos significativos na importação de equipamentos para as suas actividades. Para beneficiarem das isenções concedidas às operadoras, os prestadores de serviços geralmente precisam obter uma declaração das operadoras a confirmar que os equipamentos serão utilizados em seu benefício. Essa declaração deve ser homologada pelo Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás (MINREMPET) e posteriormente aprovada pela Administração Geral Tributária (AGT).

As consequências adversas dessa dependência são evidentes. Além de gerar uma injusta desigualdade entre as empresas do sector, tal situação compromete a autonomia das empresas locais que actuam na indústria petrolífera. Ao ficarem sujeitos às vontades e interesses das operadoras para obterem os benefícios fiscais, os prestadores de serviços veem comprometida sua capacidade de competir de maneira justa e independente.

Para promover um ambiente de negócios mais equitativo e estimular o crescimento das empresas locais no sector petrolífero, é imperativo que medidas sejam tomadas para corrigir essas disparidades. Isso pode incluir a revisão das políticas fiscais para garantir que os prestadores de serviços também possam se beneficiar das isenções na importação de equipamentos, sem dependerem exclusivamente das operadoras. A promoção da autonomia e independência das empresas locais é crucial para o desenvolvimento sustentável do sector petrolífero angolano e para a diversificação da economia do país.

Em jeito de conclusão, estamos em crer que a resolução das questões acima referenciadas passam pela implementação de políticas que promovam efectivamente a participação dos prestadores de serviços locais no sector petrolífero. Isso poderia incluir a revisão da legislação, por formas a garantir a inclusão e protecção dos interesses dessas empresas, bem como a criação de incentivos fiscais e facilidades de financiamento específicos para os prestadores de serviços locais, isto porque, os prestadores de serviços desempenham um papel crucial no sector petrolífero angolano e para alcançar um desenvolvimento sustentável e equitativo do sector, é fundamental que sejam implementadas políticas que promovam a participação e o crescimento destas empresas.

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