A possibilidade da retirada dos subsídios aos combustíveis de forma gradual, inicialmente projectada para este ano, em Angola, tem sido tema de debates para vários especialistas, que mostram as vantagens e desvantagens caso se concretize esta medida.
A temática, enquadrada no programa de financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola, iniciado em 2019, tem como fim único o alcance do crescimento económico para o país, segundo o economista angolano José Lumbo, em entrevista à Revista Outside.
Porém, apesar desta vantagem económica, o especialista em Mercado de Capitais e Finanças Públicas considera “não ser o momento adequado para o início do corte dos subsídios aos combustíveis”, tendo em conta a actual conjuntura macroeconómica do país, ainda marcada pelo baixo poder de compra das famílias.
Eis a íntegra da entrevista
Outside – O programa de financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola, avaliado em 4.5 biliões de dólares norte-americanos, prevê o início da eliminação dos subsídios aos combustíveis neste ano de 2023. Qual é o seu ponto de vista, caso se concretize esta medida?
José Lumbo (JL) – Em primeira instância, devemos assumir que o apoio técnico e financeiro prestado pelo FMI ao Governo de Angola tem como fim único o alcance de superávit orçamental ou crescimento económico para o país, uma meta que impacta de forma directa na vida do cidadão.
Porém, apesar desta vantagem económica, penso que, para a actual conjuntura nacional, não é o momento adequado para o início da retirada dos subsídios aos combustíveis, por ser uma medida que pode agravar e encarecer cada vez mais a vida das populações, reduzindo o poder de compra das famílias, com o aumento da inflação e a desvalorização da moeda nacional.
Outside – Além disso, que impacto terá esta medida na vida social e económica do país de concreto?
JL – Esta medida irá transferir os custos para as famílias, que de certo modo encarecerá o custo de vida da população, diminuindo o poder de compra. No curto prazo, observar-se-á um aumento gradual nos preços dos bens e serviços na economia, tendo em conta a redução do subsídio do Governo aos combustíveis.
Neste cenário, a economia terá um excedente orçamental provocado pela diminuição da despesa, que tecnicamente pode resultar num conjunto de contrapartidas, com vista a priorizar ou aplicar estes excedentes financeiros em projectos capazes de estimular o crescimento interno, sendo que a vontade política do Executivo na aplicação dos excedentes poderá definir melhor os resultados de longo prazo.
Outside – De que forma esta medida poderá impactar na subida dos preços de bens e serviços no país?
JL – Sabendo que o combustível em Angola é um bem essencial, posso afirmar que, no curto prazo, a subida dos preços dos bens e serviços será de facto uma das grandes consequências dessa medida, igual a verificada em outros países do mundo, pois não podemos ver a economia angolana de forma isolada, mas sim como parte integrante do circuito mundial.
Outside – De forma geral, que ganhos/vantagens poderão advir do fim do subsídio aos combustíveis?
JL – Uma política de austeridade sempre sufocará o consumidor final no curto prazo. Penso que esta medida até poderá trazer algum retorno positivo no longo prazo, se de facto o aumento da inflação do período corrente for combatido com o aumento da produção interna.
Neste caso, os excedentes oriundos dos cortes servirão para investir em saúde, formação técnico profissional e infra-estrutura (vias de comunicação, distribuição da rede eléctrica e água), de modo que no longo prazo possamos a ter um tecido produtivo mais alargado, com destaque para a produção local.
Outside – Perante este cenário, de que forma poderia ser feito o corte dos subsídios aos combustíveis?
JL – Partindo do pressuposto que o fim último do Estado, representado pelo Governo, é garantir o bem-estar e/ou satisfação colectiva da população, penso que deve-se de facto elaborar um programa de corte dos subsídios aos combustíveis de forma sectorial, levando em consideração o nível de endividamento e as fontes de financiamento a se ter em conta no Orçamento Geral do Estado (OGE).
Pois, numa economia onde não há previsão de superávit ou excedente com base na conjuntura internacional, cujas receitas servirão em grande medida para pagar a dívida pública aos credores, sobretudo externa, acho ser inoportuno a implementação desta política.
Entretanto, medidas concretas precisam-se, para no final do dia a população sentir o impacto positivo da mesma de forma gradual e bem pensada, carecendo não só da própria aprovação do Titular do Poder Executivo, mas também da Assembleia Nacional.
Outside – Quais são os segmentos da sociedade que poderiam sofrer estes cortes inicialmente?
JL – O seguimento dos transportes e da agricultura são exemplos claros de sectores que dependem directamente dos combustíveis. Importa referir que a alteração do paradigma afecta em grande medida os sectores acima referenciados.
Nos transportes, por exemplo, Angola, Luanda em particular, já tem muitas dificuldades de mobilidade urbana, o corte dos subsídios fará com que os preços desses serviços fiquem mais encarecidos, situação que levará a subida dos preços de outros bens e serviços.
Outside – Caso esta medida abranja também os sectores da agricultura, das pescas e da indústria, de que forma poderá se alavancar o aumento da produção nestas áreas? Que consequências poderão advir desta medida nestes sectores?
JL – Estes são sectores muito sensíveis, por afectar toda cadeia alimentar do país de forma directa. Ou seja, um aumento ou redução nos preços dos produtos oriundos destas áreas, aumentará ou reduzirá na mesma proporção o bem-estar e a qualidade de vida das populações.
As consequências serão sempre calamitosas no curto prazo, no sentido de que a economia angolana é meramente consumista. Portanto, o pouco que se produz irá conhecer outros contornos no que a estrutura de custos diz respeito, mudando assim a dinâmica dos preços.
Outside – Que sectores da economia e social poderão ainda depender da actual subsidiação?
JL – Os sectores que de facto poderão depender da actual “subsidiação” prendem-se, essencialmente, com as áreas produtivas, nomeadamente a Indústria, Agricultura, Pescas e Transportes, tendo em conta o impacto e a importância que têm na actividade económica do país.
Outside – Segundo o representante do FMI em Angola, em 2021 e 2022, Angola gastou mais de 2 mil milhões de dólares por ano, com os subsídios aos combustíveis. Que sectores poderiam beneficiar deste dinheiro?
JL – Claramente, os sectores produtivos dependem dos combustíveis e seus derivados para o seu bom funcionamento. O aumento dos factores de produção implicará aumento no preço final do bem, no entanto, os produtos que compõe a estrutura base alimentar conhecerá outros contornos.
Contudo, considero ser uma má medida a aplicação de política de emagrecimento das despesas do Governo, de forma a fomentar o investimento, pelo menos na conjuntura actual.
Outside – Para terminar a nossa entrevista, que sugestões ou recomendações deixa para as autoridades governamentais angolanas, em relação ao tema em abordagem?
JL – As minhas sugestões é que se reduza o nível de endividamento do Estado e se aumente a qualidade das despesas públicas. Sugiro também a redução da presença do Estado no sector empresarial, acelerando o Programa de Privatizações (PROPRIV) de empresas.
Adicionalmente, recomendo a criação de condições para atrair o investimento privado, de forma a gerar mais empregos no país. Também é necessário que se canalize o excedente do petróleo, caso haja, em infra-estruturas para fomentar a cadeia produtiva nacional.
Recorda-se que, recentemente, o representante do FMI em Angola, em entrevista num dos meios de comunicação social nacional, afirmou que instituição que representa concorda com a intenção do Governo em “desvencilhar-se dos subsídios aos combustíveis, porque é um subsídio que acaba por beneficiar pessoas que têm condições de pagar mais pelos combustíveis”.
Segundo Marcos Souto, em 2021 e 2022, Angola gastou mais de 2 mil milhões de dólares por ano, com esses subsídios, recursos que poderiam ser alocados em outras áreas que efectivamente melhorem as condições de vida dos cidadãos angolanos, como a saúde e educação, assim como poderiam ajudar a criar mais empregos crescimento económico.
Conforme o responsável, actualmente, é muito importante que exista uma estratégia para se proteger o segmento mais vulnerável da população angolana contra os potenciais efeitos negativos da remoção dos subsídios aos combustíveis, assim também como minimizar os efeitos sobre a inflação.